quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Entrevista com Floriano Martins
Escrituras Blog: Seu interesse e intercâmbios com a literatura e a poesia hispano-americana são uma marca forte em seu trabalho, tanto de tradutor, ensaísta e poeta, quanto de agitador cultural e organizador de projetos, eventos – virtuais ou não. Essa atitude e abertura intelectual não parece ser uma característica da maioria dos criadores brasileiros. De onde vem essa sua pegada?
Floriano Martins: Eu diria que não é característica da cultura brasileira em geral. Isto significa dizer que também não se restringe ao ambiente literário. O que teve início em uma curiosidade minha, a de estranhar minha ignorância em relação a autores que encontrei citados em um livro, acabou se convertendo em um princípio histórico, em momento algum desprovido de intensa paixão, de trazer à superfície do cenário cultural no Brasil não somente o que houver de mais relevante nos 19 países que conformam a América Hispânica, quanto igualmente chamar a atenção para o que perdemos pela ausência de um diálogo que, ao reforçar a cultura de seus protagonistas, enriqueceria também a atuação política e social de todos esses países.
EB: A coleção Ensaios Transversais, da Escrituras, já abrigava um título seu. Lá você tratou do Surrealismo na poesia da América Latina. Fale-nos um pouco sobre sua paixão pelo Surrealismo e a importância que você detectou nele para a poesia, em especial a brasileira, visto que há muitos poetas e críticos que o veem como um movimento datado e já sem força alguma.
FM: Agora mesmo eu tenho em finalização um outro livro dedicado ao Surrealismo em todo o continente americano, em toda a América, livro que se soma a este que mencionas, O começo da busca (2001) e à antologia Un nuevo continente (publicada originalmente em 2004, na Costa Rica, e posteriormente bem ampliada para sua inclusão no catálogo da Monte Ávila, na Venezuela). Para uma cultura literária que tem no Parnasianismo sua corrente eterna, somando a isto outros aspectos como uma forte presença do catolicismo e uma tendência dessa cultura de evitar comprometer-se com qualquer circunstância, é natural que o Surrealismo tenha sofrido avantajada rejeição. Movimentos culturais, em qualquer lugar, pela própria dinâmica de suas ações, possuem altas e baixas, podem ou não ser recuperados em momentos posteriores ao de seu marco fundacional, e isto dependerá sempre da força de diálogo mantido entre a matriz e sua eventual afluência. O Brasil aceita com deplorável conivência, de forma eu diria quase que submissa, os estratos decrépitos das vanguardas mais acentuadamente formalistas, e ao mesmo tempo é um crítico impagável daquelas outras que tocam mais agudamente as relações entre vida e obra. Basta olhar em volta o reflexo de tal caráter.
EB: Seu mais recente lançamento na casa é o livro de ensaios A inocência de pensar. O título é curioso. É necessária certa inocência para se pensar o novo? Conte-nos como você concebeu o livro. Os ensaios surgiram já com a idéia de possivelmente formarem um álbum crítico unificado?
FM: O título é uma bela luz que me foi dada pela leitura da correspondência entre Guimarães Rosa e Curt Meyer-Clason. A inocência referida relaciona-se com a alma limpa de vícios e lugares-comuns. Os temas abordados no livro o são sem conflito canônico, sem interferência dogmática. Uma leitura despojada de artifícios acadêmicos e que naturalmente se relaciona com essa condição renascentista tão bem lembrada por Jacob Klintowitz no prefácio. Os ensaios surgiram em momentos distintos, como componentes de uma visão de mundo que segue se renovando. Que encontrem afinidade estilística é precioso e espontâneo. O livro nasceu, em seu conjunto, em seu desenho estrutural, no momento em que me deparei com a imagem da inocência cunhada por Guimarães Rosa.
EB: Não podemos deixar de mencionar a importantíssima coleção Ponte Velha, criada pelo grande poeta Carlos Nejar e que, agora, você coordena e organiza. Fazia falta uma coleção como essa aqui no Brasil. Por que dialogamos tão pouco com a literatura portuguesa? Sabemos que a recíproca também é verdadeira. Ou não?
FM: A Ponte Velha surge em 2003, com a publicação de livros da Ana Marques Gastão e do António Osório. Nestes dois primeiros títulos ainda nem aparece o nome da coleção. No ano seguinte eu viajo para Portugal, ali conheço a Ana Marques Gastão (de quem inclusive traduzo um livro para o espanhol, um projeto luxuoso que inclui reprodução em cores de 25 obras da artista Paulo Rego) e também a Rosa Alice Branco. É a Rosa Alice quem facilita os contatos com Nuno Júdice e Pedro Tamem, que são os dois autores seguintes da coleção, ao lado dela própria (livro este que traz prefácio meu), quando então já aparece pela primeira vez o nome Ponte Velha. Já neste mesmo ano eu assumo, na prática, a coordenação da coleção, embora ainda apareçam os nomes de António Osório e Carlos Nejar como coordenadores (somente em 2007 é que ambos são devidamente situados pela editora como criadores da coleção e não coordenadores). Durante todo este processo de ambientação da coleção eu diria que Carlos Nejar mais atrapalhou do que ajudou, o que não quer dizer que a editora não seja a ele agradecida por haver feito, juntamente com António Osório, o contato inicial com o Ministério da Cultura em Portugal. Este esclarecimento todo eu acho bastante oportuno e agradeço que tenhas tocado no tema. Quanto ao diálogo entre literaturas de língua portuguesa, especialmente Brasil e Portugal, é sempre um exemplo para aqueles que afirmam que a ausência de intercâmbio cultural entre Brasil e América Hispânica justifica-se pela barreira linguística. Os motivos podem ser da ordem da empáfia, do descaso, da ignorância, porém não creio que mereçam mais que se reflita a respeito. Cabe tratar de mudar esses hábitos tão perniciosos à cultura, numa margem e outra do Atlântico. Editores portugueses se mostraram mais interessados em literatura brasileira nos últimos tempos. Além da coleção Ponte Velha, há outras editoras no Brasil que vêm publicando autores portugueses, embora nosso caso seja único em termos de consistência editorial. O canal, portanto, está aberto, sendo fundamental agora avançar no sentido de ampliar o raio de ação, o que pode ser feito através de ciclos de debates, palestras, leituras, buscando adesão do meio acadêmico, incluindo a presença viva dos autores, a exemplo do que foi possível realizar na 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, em novembro de 2008.
[Entrevista concedida por e-mail a Edson Cruz]
Floriano Martins (Fortaleza, 1957) é poeta, editor, ensaísta e tradutor. Em janeiro de 2001, criou o projeto Banda Hispânica, banco de dados permanente sobre poesia de língua espanhola, de circulação virtual, integrado ao Jornal de Poesia. Organizou algumas mostras especiais dedicadas à literatura brasileira para revistas em países hispano-americanos: Blanco Móvil (México, 1998), Alforja (México, 2001) e Poesía (Venezuela, 2006). Também organizou a mostra Poesia peruana no século XX (Poesia Sempre, Brasil, 2008), ao mesmo tempo em que foi corresponsável pelas edições especiais Poetas y narradores portugueses (Blanco Móvil, México, 2003), Surrealismo (Atalaia Intermundos, Lisboa, 2003) e Poetas y prosadores venezolanos (Blanco Móvil, México, 2006). Dentre seus livros de poesia mais recentes, encontram-se Tres estudios para un amor loco (trad. Marta Spagnuolo. Alforja Arte y Literatura A.C. México, 2006), Duas mentiras (Projeto Dulcinéia Catadora. São Paulo, 2008), Teatro Imposible (trad. Marta Spagnuolo. Fundación Editorial El Perro y la Rana. Venezuela, 2008) e A alma desfeita em corpo (Apenas Edições. Lisboa, 2009). Juntamente com Lucila Nogueira, organizou e traduziu o volume Mundo mágico: Colômbia (Poesia colombiana no século XX) (Edições Bagaço. Pernambuco, 2007), também sendo autor de Un nuevo continente (Antología del surrealismo en la poesía de nuestra América) (Monte Ávila Editores. Venezuela, 2008). Atuou ainda como curador da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), função que voltará a desempenhar em 2010, e membro do júri do Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009). Juntamente com Claudio Willer, dirige a revista Agulha (www.revista.agulha.nom.br) - Prêmio Antonio Bento (difusão das artes visuais na mídia) da ABCA/2007. E-mail: agulha.floriano@gmail.com
great post dudie
ResponderExcluirexcelente entrevista , este señor fue una de las personas mas influyentes en su epoca.me encantaria poder encontrar mas blogs como este.
ResponderExcluirFñloriano Martins es un gran profesional!! sinceramente lo admiro mucho!, nadie hace el trabajo como el!
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