O poeta português Nicolau Saião tem uma bibliografia extensa em Portugal. Nasceu em 1946, fez parte do segundo movimento surrealista português (nos anos 60) e só começou a publicar na década de setenta. Seu livro de poesia Os olhares perdidos foi selecionado e publicado no Brasil pela Escrituras na coleção Ponte Velha. Nele encontramos poemas da seguinte cepa:
PALAVRA
São apenas três manchas brancas sobre as plantas do jardim
e outra azul mais pequena mesmo posta ao lado dum banco de
tábua
E nós pensamos: uma para as saudades, a segunda para os
remorsos
a terceira para os que tentam reter a tosse que os sufoca.
Mas a quinta mancha é cinzenta. E apesar de fria como um
sobressalto
pesa-nos no peito, pesa-nos na memória e revolve-se
no ventre enquanto tentamos reflectir angustiados.
Uma lua e um Sol estão sobre a silhueta de um animal morto
hirto, com estranhos círculos no lombo, os olhos cintilando
como alguém escondido numa viela cheia de lixo.
A vossa vigília durará até que os ramos se afastem
que o transeunte de acaso de repente caia de joelhos
ante a noite que chega, guardando um grito na garganta
e fale mansamente olhando as árvores que desaparecem na
luz.
Nicolau Saião, gentilmente, nos respondeu por e-mail à três questões essenciais:
1) O que é poesia para você?
Busquemos distinguir desde já: há a poesia inerente às coisas, essa que subjaz ao acontecimento de viver com tudo o que lhe pertence – contentamentos e mágoas, sabores e cheiros, os ruídos e o silêncio, o alto e o baixo, o de fora e o de dentro, como sagazmente diziam os antigos ou modernos alquimistas. A poesia que existe no “simples cair dum lenço”, para usar a expressão de Péret.
Ou seja, aquilo que se propicia através da simples existência sensível e nos permite perceber a beleza, como por exemplo dizia Raymond Macherot, “que reside no reflexo dum raio de sol, quase ao crepúsculo, ao bater na porta de madeira dum armário antigo”. Ou, como referia Cesariny, sentir algo “tão alto e seroal/ tão de minha invenção”.
Depois há a poesia que nós fazemos ou que outros fazem, aquela poesia palpável que se constrói ou desconstrói, em todo o caso se forja, através da escrita, da palavra posta na brancura do papel. E que apanhamos dum momento para o outro, de súbito, que nos chega sem sabermos bem de onde veio, de que recantos misteriosos partiu. E, noutras alturas, atingimos depois de um trabalho aturado e que, a uma volta da frase, apanhamos de chofre e logo após guardamos como um tesoiro, como uma descoberta amorável e definitivamente plasmada no tempo e no espaço.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Se te referes a um iniciante na escrita, no criar poesia mediante a escrita, creio que deve saber escutar os sinais que o rodeiam, as vozes interiores e exteriores que existem e que o poeta, se o é, pode captar para depois lhe possibilitar escrever perduravelmente. Escrever mesmo, ser persistente – é preciso ter músculo para resistir às emboscadas e aos embustes - não escrevinhar ou recrear-se através da escrita, o que os literatos muitas vezes fazem com os piores resultados para os que amam verdadeiramente a poesia e para o que a poesia realmente é.
E ter, de igual modo, a humildade de saber que dependemos dessa coisa um pouco secreta, um pouco velada, um pouco desconhecida, que é a organização das palavras de certa forma algo imprecisa.
A poesia nada tem que ver com a literatura, essa que os aproveitadores ou os simples falsários erguem (como se ergue um bloco de apartamentos...) e que depois habitam com todas as vantagens que em geral esse tipo de gente artilha.
A poesia pode ser e muitas vezes é uma maldição, ou uma incursão no mistério, ou uma aventura no mal, ou uma naturalidade doméstica... Mas nunca um sujeito de literatura, como infelizmente certa gente medíocre ou primária, mas altamente colocada sectorialmente, no país que melhor conheço (Portugal) pretende incutir nas gentes.
Creio que me faço entender...
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas?
Há poetas de grande qualidade, que profundamente apreciamos, mas cujo mundo enquanto hacedores, contudo, está completamente distante das nossas próprias pesquisas, da nossa pessoal via poética. Dito isto, citaria o nome de Samuel Becket pela exemplar desconstrução do poema e da escrita a que se entregou e submeteu; o de Rilke, pela persistência em excursionar por mundos pouco prováveis de darem rendimento perante os donos da circunstancia temporal e devido à capacidade de se emocionar ante os ritmos do mundo; e o de Czeslaw Milosz, pela coragem que teve de ser poeta autónomo e autentico no recinto de feras em que teve de viver durante largo tempo.
Estes são nomes, note-se, entre vários outros que também poderia epigrafar. Mas são absolutamente representativos do que sinto e por isso os relevo.
Textos referenciais? O que vou dizer talvez não seja muito canónico, mas é sincero e por isso - contra ventos e marés, rs – aqui o deixo dito (se o não fizesse estaria a atraiçoar a minha juventude de forma repelente e cobarde): alguns textos que mais me fizeram sentir a maravilha, a variedade da escrita, foram – nos meus 14/15 anos os que encontrei nas Selecções do Reader's Digest (edição brasileira) dos tempos da Segunda Guerra Mundial e que estavam na biblioteca de meu padrinho. Eram extractos de obras da literatura universal, tanto ali se encontravam trechos de Vítor Hugo como de Garrett, de Victor Heiser como de Henry Morton Stanley, etc.
Isto em primeiro lugar. Seguidamente, pedaços da monumental obra de Alves Morgado “História da Criação dos Mundos”. Depois e finalmente, reflexões de “Ofício de viver” e alguns poemas singulares de “Trabalhar cansa” de Cesare Pavese, em paralelo com o extraordinário trecho sobre a génese da criação poética inserida a dada altura no rilkeano “Os cadernos de Malte Laurids Brigge”.
Atalaião, 2009
Nicolau Saião – Monforte do Alentejo (Portalegre) 1946. É poeta, publicista, actor-declamador e artista plástico. Em 1992 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro “Os objectos inquietantes”. Autor ainda de “Assembleia geral” (1990), “Passagem de nível”, teatro (1992), “Flauta de Pan” (1998), “Os olhares perdidos” (2001), “O desejo dança na poeira do tempo”, “Escrita e o seu contrário” (a sair). No Brasil foi editada em finais de 2006 uma antologia da sua obra poética e plástica (“Olhares perdidos”) organizada por Floriano Martins para a Escrituras Editora. E-mail: nicolau19@yahoo.com
parabens pelo blog...
ResponderExcluirNa musica country VIRGINIA DE MAURO a LULLY de BETO CARRERO vem fazendo o maior sucesso com seu CD MUNDO ENCANTADO em homenagem ao Parque Temático em PENHA/SC. Asssistam no YOUTUBE sessão TRAPINHASTUBE, musicas como: CAVALEIRO DA VITÓRIA, MEU PADRINHO BETO CARRERO, ENTRE OUTRAS...
VIRGINIA DE MAURO a LULLY é o sonho eterno de BETO CARRERO e a mão de DEUS.